Monday, July 25, 2011

MINHA MAIOR LIÇÃO DE VIDA -VEIO DO MEU AVÔ


Meu avô sempre me protegeu. De sete netos eu sempre soube que era a sua preferida. De tanto de mim gostar exigiu sempre mais de mim do que dos outros.

No seu entender estava a preparar-me para a vida. Eu sempre fui uma criança calada. Quando as coisas não me corriam bem eu chorava. Horas seguidas. Meu avô sempre me vinha consolar. No entanto, ele era um homem que tinha sido criado sem afectos. E a vida, e a necessidade, fez dele um homem austero, mas justo.

Sempre trabalhador e bom educador, acabou por substituir o meu pai, na educação que me era devida. Sendo meu pai um homem ausente, devido aos negócios, era meu avô o homem da casa. E todos eram obrigados a respeitá-lo, e a obedecer-lhe. Mesmo a temê-lo.

Sempre trabalhou a terra. Dela tirou o sustento para toda a família.

Com 74 anos era um homem gasto, pelo trabalho e pelos desgostos com que a vida o tinha já presenteado.

Tinha um pequeno defeito. Gostava da sua pinga! Fazia sempre questão, no Inverno, de beber uns copitos. Talvez para lhe aquecer o corpo solitário.

Certa noite de Janeiro estava um frio de rachar. Queria beber o seu copito e não tinha vinho em casa. Resolveu ir à adega buscá-lo. Meu pai estava ausente e minha tentou impedi-lo. Mas ninguém era capaz de deter a vontade de um homem de 1,90 de altura e com força capaz de derrubar quem se atrevesse a barrar-lhe o caminho.

Mal acabou de sair de casa e ao atravessar umas escadas de pedra, que tinham gelo, (começara já, a geada), caiu de um patamar de 3 metros de altura e partiu uma clavícula, que o levou á cama por dois anos. Como era do lado direito, tirou-lhe toda a mobilidade ao ponto de, a partir daquela altura, depender de outros para tudo.

Até ali sempre se sentiu forte, capaz. Custou-lhe muito a engolir o seu orgulho e ter de aceitar a ajuda da família, para tudo. Penso que esse seu orgulho o levou a desinteressar-se pela vida.

Éramos quatro raparigas em casa. Em nós foi delegada a função de lhe dar as refeições. Cada dia era uma diferente que tinha essa obrigação.



Passados seis meses, minhas irmãs, também elas miúdas, davam-lhe de comer muito á pressa. Para irem brincar. Acabaram por lhe fazer uma ferida, no céu-da-boca, com a colher. Um dia ele chamou meu pai.

- Senta-te filho. Precisamos de ter uma conversa muito séria. Meu pai ficou assustado, pensando que meu avô se estaria a despedir da vida.

Ouve bem filho. Quero fazer-te um pedido. Sei que não vou ser justo para uma pessoa. Cabe-te a ti falares com a tua filha Maria, sobre o assunto.

Ao longo destes seis meses tenho estudado o comportamento das tuas quatro filhas. A única que tem coração é a Maria. Tenho uma ferida na boca, provocada pela pressa das outras, que estão sempre com sentido na brincadeira. Não as posso censurar, são miúdas. Só a Maria, a partir do momento que lhe disse que as irmãs me magoavam, ao dar-me de comer, teve compaixão de mim. E dá-me de comer sem pressa e com carinho. Gostava que tivesses uma conversa com ela. E que a partir de agora seja só ela a dar-me de come. Caso contrário, deixo de me alimentar. Meu pai ficou assustado quando viu a ferida no céu-da-boca. Comprou injecções de penicilina e tratou-lhe da ferida. Quando, á noite, nos encontrávamos todos reunidos, fez um grande sermão sobre o assunto.

- Maria. Ficas a partir de hoje incumbida de dares de comer ao teu avô. As outras irmãs deram pulos de contente. Enquanto eu estava com ele, elas jogavam á macaca, saltavam a corda e eu chorava, enquanto dava de comer ao meu avô.

Certo dia, meu avô teve pena de mim e disse: - Maria. Eu não vou viver muito mais. Sinto que nesta casa já não faço falta a ninguém. Mas quero-te dizer, minha filha. Tu és única. Nunca te arrependas de fazer o bem. Deus te compensará por tudo. Sei que é difícil, para ti, seres só tu a dares-me de comer. Acredita, Maria. Sei que, por tudo que estás a fazer por mim, que estás triste e magoada. Mas nem por isso deixas de ser meiga, quando me pões a colher na boca. Deus nunca se esquece dos seus filhos. Deus porá no teu caminho tudo aquilo que tu mereceres. E tu mereces muito. E eu te admiro muito. Enquanto estiveres comigo, aproveita para aprenderes as minhas lições de vida. Com as tuas irmãs eu já não perco mais tempo.

O tempo passou. Tivemos muitas conversas. Sobre tudo. Deixei de chorar e aqueles momentos que passei a seu lado, tornaram-se mágicos. Quando me contava histórias, esquecidas no tempo. Contadas oralmente, de geração em geração.

Um dia, quando lhe ia dar o almoço, pegou na minha mão e disse: - hoje não me apetece comer. Em vez disso, diz-me. O que pensas de mim?

Fui um avô muito duro contigo? – Não, meu avô. Agora estou é preocupada consigo por não querer comer.

Tens um coração muito puro, minha neta. E nunca te esqueças: “faz o bem sem reparar a quem”. Um dia serás sempre recompensada. Esteja eu onde estiver, estarei sempre contigo.

A partir desse dia nunca mais comeu. E deixou-se ir. Aos poucos. Ao fim de um mês, já nada restava daquele homem forte e temido.

Era um domingo e ele estava pronto para morrer. Nesse dia estava lá um padre. À aldeia se deslocava, uma vez por semana, para rezar missa.

Meu pai foi ter com o padre e disse que o meu avô estava a morrer. E se ele lhe poderia dar os últimos sacramentos. O padre disse que sim. Mas só se meu avô o desejasse. Teria que ter o seu consentimento. Meu pai falou com seu pai. E ele não quis o padre. A última coisa que queria escutar eram os conselhos de um padre. Este esperou 10 horas que meu avo cedesse e o aceitasse receber. Assim e por volta das 20 horas, meu avô chamou meu pai e perguntou se o padre ainda estava na aldeia. Sim, disse o meu pai.

- Então vai chamá-lo. Chegou a hora do ajuste de contas. Meu pai julgou que ele já estava a delirar.

O padre entrou no quarto, sentou-se numa cadeira e meu avô, disse:

- Ainda se lembra, que aqui há uns 10 anos atrás, nós os dois tivemos um confronto numa terra minha? – Não me recordo. Não, repetiu o padre, desconcertado! Pois bem. Você, que é um confessor, chegou o dia de me pedir perdão. Porque, a partir desse episódio, você roubou a minha fé na igreja. Era a única coisa que tinha para além do trabalho. Levante-se dessa cadeira e peça-me perdão. Se realmente se considera um cristão. O padre acabou por se lembrar do episódio há muito esquecido. Levantou-se, pediu perdão e agarrou-lhe na mão. Meu avô, apenas disse:

- Pode retirar-se. Já posso morrer em paz. Agora vá á sua vida. Já o retive muito tempo. O padre saiu com as lágrimas nos olhos. Ninguém entendeu o que se tinha passado. Só eu soube. Porque me tinha escondido debaixo da cama do meu avô e ou vi e entendi tudo o que ali se passou. Naquele tempo, não percebi o significado de toda a conversa. Mas hoje sei. E sei muito bem que o meu avô era um anjo, em trabalho no planeta.



Para melhor compreensão da história, vou explicar o que aconteceu entre o padre e o meu avô.



Meu avô tinha uma propriedade junto a uma ribeira. Quando a ribeira aumentava, no Inverno, ele permitia, para encurtar o caminho ás pessoas, que elas passassem na sua propriedade, a pé. Estava meu avô um dia por lá, a trabalhar e eis que vê o padre, passar a cavalo, na sua propriedade, permitindo que o animal lhe comesse as videiras. Barra-lhe o caminho com um sacho na mão e diz-lhe: - Se quer passar por aqui, desce do cavalo, segura-lhe a rédea curta, e não o deixa o comer as videiras. O padre respondeu:

- Não desço do meu cavalo e você não é homem para me impedir! Respondeu o padre com ar dominador.

- Então temos aqui um problema. Se não desce, recua e volta para trás. Nesta propriedade não passa. Ela é minha e não da sua igreja.

Como o padre não desceu, nem recuou, meu avô levanta o sacho e disse-lhe: -

Hoje vai fazer de mim um assassino. Se dá mais um passo, em cima desse cavalo. Quando o Padre percebeu que ele falava a sério, desceu do cavalo e segui a pé, com meu avo a seu lado. Quando chegou ao fim da propriedade, meu avô só lhe disse: - a partir de hoje arranjou um inimigo. Nunca mais estarei no mesmo lugar que você esteja. E nunca mais se atreva a passar por esta propriedade. Nem a cavalo. Nem a pé.

Passaram-se uns 15 anos. Meu avô nunca mais foi á missa. Também nunca nos proibiu. Sempre dizia que o problema era entre ele e o padre.



Com a morte do meu avô, aos meus 14 anos, algo em mim desmoronou. Ficou sempre no meu inconsciente, uma orientação para minha vida.

Nunca mais esqueci o provérbio “faz bem sem reparar a quem”. Verdade seja dita. Hoje sinto que fui compensada, mesmo tendo em conta tudo o que já passei. Sempre achei que meu avô tem sempre estado por perto. Para me dar a mão. Como quando era pequena.

POR: JOAQUINA
06/07/2011

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